segunda-feira, 23 de setembro de 2013

O (meu) som ao redor

Enfim assisti O som ao redor, filme que vem sendo elogiado por muitos e agora está na lista dos possíveis indicados ao Oscar, algo que o cinema brasileiro esquizofrenicamente busca como forma de validar sua qualidade. Mas não foi por isso que o vi e sim por falar/ser de Recife, aquela antiga cidade velha.
Nos seus primeiros cinco minutos, me transportei para lá. Nada era novidade para mim, as casas, as pessoas andando, o barulho, os muros, os prédios altos... Uma paisagem hostil para quem anda na rua. Uma prisão em cada residência. Eu cresci numa outra realidade (subúrbio de Olinda), mas nos últimos 10 anos que morei em Recife, pude transitar nas residências de classe média.
A vida daquelas pessoas (personagens), mesmo com um potencial enorme para crescer e expandir como ser humano, parece estanque, às vezes até estéril. Os azulejos nos corredores dos prédios sem vida, os pequenos ambientes destinados às empregadas domésticas e, principalmente, os apartamentos sem privacidades onde se escuta tudo que acontece lá fora são o ambiente "perfeito". Há pessoas se esforçam pra comprar um imóvel como esses e ter uma vida como daqueles personagens. É o sonho de muitos. E se alguém sonha com uma vida daquelas é porque de fato tem uma muito ruim, e aqui não falo de condição financeira, apenas de como vivemos...
Vendo o filme, eu me lembrei muito da minha vida adulta em Recife. Trabalhando e sendo "cobrado" (principalmente por mim mesmo) pra ser de classe média, comprar um apartamento, um carro, pagar prestações e passar a maior parte da minha vida em frente a uma TV esperando a morte chegar (como diria Raul). Escolhi sair de Recife, negar até certo ponto esses valores e buscar evitar azona de conforto.

Ao ver o FIM na tela, senti uma alegria por poder escutar o meu sotaque; de reconhecer nos personagens pessoas com quem convivi e até a mim mesmo. Mas, acima de tudo, um alívio por não fazer parte daquele contexto. Sou de Recife, mas sinto que não pertenço mais a Recife. Meu som ao redor agora é outro... não necessariamente melhor, mas para mim mais interessante. 

terça-feira, 17 de setembro de 2013

Comic con Montreal 2013

Desde que alguém me disse que eu era um nerd, fiquei pensando se isso seria verdade. Se sou ou não, pouco importa pra mim. Mas algumas coisas de nerd eu realmente tenho. E uma delas era a vontade de ir à Comic Con. Na impossibilidade financeira de chegar em San Diego, me contentei com a de Montreal.
Lá estavam centenas pessoas fantasiadas (ops... com Cosplay) de vários personagens, alguns muito bem feitos e outros engraçadamente ridículos; expositores de gibis (ops... comic books); vendedores de bonecos (ops... action figures), camisas e souveniers de todos os tipos. Exposição das mais variadas como um DeLorean; os selos canadenses do Superman e os novos jogos do Play Station, além de dezenas de estandes com tudo que se pode imaginar de cultura nerd. Um paraíso do consumo!

E como tudo se consome, o que mais me chamou atenção foi a venda de celebridades. Uma venda quase literal, um produto imediato e, aparentemente, inesgotável. Afinal, quantos autógrafos e quantas fotos uma pessoa pode proporcionar?

Via-se estandes com nome de artistas, o preço do autógrafo (!) e da foto com ele(a) (!!!). Por CDN$45 ou CDN$65 era possível ter um autógrafo de Christoffer Lloyd (Doc Brown de De volta para o futuro), Lou Ferrigno (o Hulk da telesérie) ou tantos outros que nem conhecia. Estavam lá sorridentes para quem quisesse "comprar" alguns minutos em sua companhia.

No meio de todos, me chamou atenção a Gillian Anderson (Dana Scully da série Arquivo X), não só pela sua beleza incomum, mas pelo seu total desconforto com a situação. Visivelmente deslocada e sem saber muito o que fazer, dava sorrisos amarelos enquanto ouvia elogios dos fãs. Talvez pensando em uma carreira pela frente, ali parecia o início do fim ou uma sobrevida, como George Takei que nunca fez nada além das péssimas atuações como Sulu em Star Trek e hoje vive desse passado. Afinal, Mrs. Anderson, vender autógrafos para seus fãs deve ser algo realmente incômodo. Um autógrafo deve ser algo conseguido com uma história de astúcia ou acaso e não uma longa fila e algumas dezenas de dólares. Ainda bem que não temos isso no Brasil!

O melhor momento para mim foi ver um debilitado David Prowse, o cara que vestia a roupa de Darth Vader, andando com dificuldade pelos corredores do evento e sendo aplaudido. Na hipérbole do consumo nerd, o melhor momento foi de graça (para ele e para todos os outros)!


 Ah, como um nerd, comi shawarma:

terça-feira, 10 de setembro de 2013

Os muros

-        Olha lá, dá pra ver tudo que as pessoas estão fazendo dentro daquela casa.
-        É mesmo, estranho.
-        No Brasil, as casas são assim?
-        Não, normalmente não conseguimos ver dentro porque há um muro.
-        Como assim, todas as casas tem muros?
-        Sim.
-        Então quando você anda na calçada...
-        Sim, somos nós, as calçadas e os muros.
-        Deve ser estranho.
-        Na verdade nem é, nos acostumamos.
-        E tem muro entre os vizinhos?
-        Claro!
-        Então o que vocês vêem pela janela?
-        O muro.
-        E se tiver um terraço.
-        Continuamos a ver só o muro.
-        Então é como ficar preso?
-        Talvez, e normalmente em cima do muro tem cercas eletrificadas ou apena alguma coisa pontiaguda pra impedir que alguém pule o muro.
-        É sério?
-        Sim, normalmente as ruas no Brasil não são como essa, não ficamos assim (tranquilamente) nas ruas. Até para pegar o carro, olhamos bem antes de ir em direção a ele.
-        Deve ser difícil morar num lugar assim.
-        Sim, por isso que mudei de cidade, onde moro agora não é tanto assim, mas a maioria das casas tem muros lá.
-        Estranho.
-        É.
-        ...
-        E há pessoas que preferem morar em prédios com muros bem altos porque acham mais seguros.
-        E como fazem pra entrar?
-        Normalmente tem uma pessoa que trabalha que se chama porteiro, ele abre a porta pra você quando chega.
-        E como ele sabe todas as pessoas que moram no prédio? É seguro?
-        É, recentemente há prédios com duas entradas, depois de passar por uma porta, você ainda tem que passar por outra...
-        Ah...
-        É, mas onde moro não é tanto assim.
-        ...
-        ...
-        Mas há esperança disso melhorar?
-        Acho que não... O Brasil de hoje é pior que vinte anos atrás em relação à segurança
-        Ah?!... É?!
-        É!
-        ...
-        ...
-        O ônibus tá demorando?
-        Na verdade não, pelo horário, ele chega em 3 minutos...
-        Tá...


Obs: o ônibus chegou em 3 minutos


Conversa travada com uma francesa na esquina da Avenida Preston com a Rua Sheppard em Québec; em frente à uma casa normal; à noite; em uma parada de ônibus com mais duas pessoas e com um sentimento de segurança nunca sentido no Brasil. 

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